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Friday, April 11, 2008

Casos de consultório

Improvisando

Um provérbio popular me veio à cabeça naquele dia longínquo da década de 1980, para ser mais preciso corria o ano santo de 1985. Quem não tem cão caça com gato. Quem não ouviu tal aforismo ao longo da vida? Pois foi algo parecido que ocorreu a um simpaticíssimo senhor caiçara da Ilhabela no dia ao qual me referi no início deste texto.Primeiramente devo me apresentar, sou médico, meu nome é Ricardo Cortes e eu estava de plantão na Santa Casa de Ilhabela em um dia calmo do mês de maio, quando quase não há turistas e as noites são estreladas e frias. Pouco movimento, situação ideal para ler um livro policial, especialmente para mim que sou legista.Eu estava em meu consultório e em certo momento a leitura foi interrompida por uma enfermeira que bateu à porta e entrou com uma ficha na mão:- Um caso especial para o senhor, doutor. Dor de dente. Fechei o livro e fiz a pergunta óbvia:- Não tem dentista na cidade?- Tem, mas é particular. O paciente é pobre. É melhor o senhor dar uma olhada, o homem está chorando.Mandei que entrasse. Era um homem de sessenta e poucos anos transtornado de dor, com a cabeça entre as mãos, acompanhado da mulher muito assustada e bem mais jovem.Examinei o dente, um canino, na boca só havia ele e o outro canino, um vazio desolador. Estava inflamado. Expliquei ao homem que eu ia dar um analgésico para tirar a dor e que ele procurasse um dentista. Não devo ter sido convincente, ele implorou pelo boticão, com tanta veemência que acabei concordando. Tirei o dente e ele foi-se embora satisfeito.Voltei ao livro e quando me preparava para um cochilo fui novamente chamado a atender o mesmo homem. Seu Siqueira, agora meu conhecido. Meio que assoviando com a boca torta ele me disse:- O senhor precisa me fazer um favor doutor. Tirar o dente que sobrou. Estou muito feio com um dente só, minha mulher ficou rindo de mim, ainda está rindo. Por favor doutor, depois eu mando fazer uma chapa.O homem era convincente e teimoso e como um dente só é como uma andorinha sozinha que não faz verão, tirei o último dos moicanos. Ele saiu do hospital feliz, elogiando minha mão leve.Voltei ao consultório e ainda consegui ler o final de “Bufo & Spallanzani”, de Rubem Fonseca, antes de dormir. Naquela noite o plantão foi tranqüilo, ninguém mais precisou de atendimento médico. Ou odontológico.Na manhã seguinte, quando meu horário estava para terminar surgiu em minha frente o velho conhecido seu Siqueira, acompanhado da mulher e de quatro crianças. Assustadas, pois estavam lá para tratar os dentes comigo. Segundo seu Siqueira um ótimo dentista:- Arranca sem dor. E sem muita conversa.

Ricardo Cortes

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