Tudo o que vai por Ubatuba. Uma cidade diferente...

Friday, April 11, 2008

Casos de consultório

Amizade sincera

Localizada a 25 km da Ilha de São Sebastião, a Ilha de Búzios é um verdadeiro paraíso para os praticantes de mergulho. Não é difícil avistar golfinhos, tartarugas e baleias passeando na área, também pródiga em peixes e lagostas que vivem nas tocas entre as pedras. A água límpida e a fauna marinha garantem belos visuais. Nesse recanto preservado de nosso litoral vivem famílias de pescadores em um ambiente quase isolado do mundo que conhecemos.Há mais de vinte anos, quando eu era médico em Ilhabela participei de diversas expedições à Ilha de Búzios, cuja finalidade era dar atendimentos variados à população, desde vacinação das crianças contra a pólio à vacinação de cães contra a raiva. No barco iam médicos, paramédicos e enfermeiros e ao chegarmos a vila ficava em festa. Onde quase nada acontece qualquer alteração da rotina vira um grande acontecimento.Em uma dessa visitas, bati à porta de uma casinha na areia, construída em meio a árvores e pedras que a protegiam dos ventos. Coberta de sapé e cercada por uma mureta baixa de bambu me fez imaginar que o projeto devia remontar ao período neolítico. Sem contato e intercâmbio as coisas não mudam.Depois de bater palmas algumas vezes fui atendido por um homem de idade indefinida, mas seguramente entrado nos anos. Ao me ver vestido de branco ele ficou surpreso e antes que dissesse alguma coisa eu me adiantei:
- O senhor tem cachorro?
- Tem sim.
- Eu vou aplicar uma vacina nele?
- Vacina pra quê?
- Contra a raiva.
- Não bai não. Olha ele ali deitadinho tomando sol. Maruj é mansinho, está comigo há dez anos e nunca mordeu ninguém. Como ele pode ter raiva?
Tentei argumentar, mas foi inútil, enquanto conversávamos Maruj acordou e veio participar abanando o rabo satisfeito, era de fato muito simpático e só foi vacinado na outra visita, quando o dono estava pescando.
Anos depois atendi o velho pescador em Ilhabela. Lembrei-me do caso e perguntei do Maruj. Os olhos dele se encheram de lágrimas, o amigo tinha partido há um mês. Viveu vinte anos sem jamais ter sentido raiva.

Ricardo Cortes

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